quinta-feira, 6 de junho de 2013

AS QUESTÕES ACERCA DO CARÁTER E DA NATUREZA DE DEUS





Por: Sergio Geremias Santana*






1. OS APARENTES PREDILETISMOS DE DEUS


De fato, diante de algumas passagens bíblicas, analisadas sem amparo da exegese e do contexto histórico, léxico-gramatical e teológico em que o texto está inserido, pode-se concluir que Deus usa de certos prediletismos com determinadas pessoas, porém, se assim fosse, o Seu caráter justo e Sua natureza imparcial seriam postos em xeque. É certo afirmar, portanto, que Deus não tem filhos prediletos ou preferidos, ainda que em resposta ao comportamento de algumas pessoas, Ele lhes outorga certos privilégios, ou quando há um propósito espiritual, Ele aje com ações prioritárias que podem ser vistas como predileção a alguém.
Convido-lhe, caro leitor a analisar junto comigo alguns textos das Escrituras e tirar conclusões lógicas e sensatas. Em toda a Bíblia encontramos, diversas vezes, Deus revelando preferência acentuada por alguém, mas isso é apenas aos olhares do leitor desprevenido da hermenêutica bíblica.
Em Romanos 9.13, Paulo faz uma citação condensada de Ml. 1.2,3 em que Jacó aparece como amado de Deus em detrimento de Esaú, pois é assim que está escrito: “Amei a Jacó e odiei a Esaú.” O mesmo princípio é visto em Dt. 14.12, quando Moisés afirma: “"... o SENHOR te escolheu, de todos os povos que há sobre a face da terra, para lhe seres o seu próprio povo"”, o que demonstra o amor de Deus por Israel acima de todas as demais nações. Não seria isso um tratamento diferenciado, traduzido por prediletismo?
Bem, antes de qualquer coisa, é bom que se diga que podemos pontuar duas maneiras de analisar a suposta predileção de Deus. Primeiro vamos ao caso de Jacó. Algumas atitudes de Deus são reações privilegiadas, ou seja, é a resposta a uma atitude do homem que faz jus a certas vantagens, que muitas vezes, o faz ser confundido como um predileto de Deus. Isso aconteceu com Jacó.
Deixando de lado as complexidades de oposição da teologia arminiana e calvinista, e centralizando nossa análise num argumento simples, afirmamos que, quando Deus diz que amou a Jacó e odiou ou aborreceu a Esaú, não se refere a um ato arbitrário de sua natureza; não é preferência a um, em detrimento do outro; não é predominância caprichosa de atenção a X  com intenção de desprezar a Y. Tais comportamentos são peculiares ao ser humano, nunca a Deus. Na verdade o amor de Deus por Jacó e seu aborrecimento a Esaú, referem-se a ações pelas quais Ele responde a postura de ambos. Jacó, mesmo imbuído em falhas, estava sempre em busca das promessas, das bênçãos patriarcais e dos privilégios divinos, ainda que os buscasse de maneira errada. Esaú, por sua vez, estava atento aos gozos temporais e ao prazer imediato, a ponto de dá pouca atenção às promessas e benesses pactuais, chegando a negociar os valores espirituais na tentativa de se satisfazer física e materialmente.
            É interessante dizer que o nível de intimidade que um homem desenvolve com Deus o faz parecer predileto. A Bíblia diz que Deus falava com Moisés face a face, como qualquer fala com o seu amigo; (Êx. 33.11). Foi esta relação íntima que fez com que Daniel fosse chamado de “homem muito amado” (Dn. 9.23; 10.11,19); Abraão foi  qualificado como o amigo de Deus (2 Cr. 20.7) e Davi, recebe o epíteto de homem segundo o coração de Deus (At. 13.22).  Em contrapartida, outros indivíduos, por desprezarem ao Senhor e sua vontade, foram chamados de filhos de Belial, como por exemplo, os filhos de Eli (I Sm. 2.12). Na verdade a maneira como os homens se relacionam com Deus é que os fazem ser honrados ou desprezados por Ele. Em 1 Sm. 2.30, o próprio assegura: “"... aos que me honram honrarei, porém os que me desprezam serão desprezados"
Ora, o que impede de Deus amar, proteger e outorgar privilégios a uma pessoa que se chega a ele com fez Jacó? E, o que há de errado no ato dele privar alguém dos mesmos benefícios por ser um prevaricador como foi Esaú? É assim que se pode entender sua natureza justa quando afirma: “"... terei misericórdia de quem eu quiser ter misericórdia, e terei compaixão de quem eu quiser ter compaixão"”(cf. Êx. 33.19; Rm 9.15). Não se trata, aqui, de um querer arbitrário, mas, de um ato gracioso àqueles que optam por se aproximar da vontade divina em um nível de intimidade diferente de outros.
No Novo testamento temos um exemplo clássico de um aparente prediletismo de Jesus no relacionamento que ele tinha com seus discípulos. Eram 12 aqueles que ele escolheu como apóstolos, portanto, três dentre eles pareciam ser os preferidos, a saber: Pedro Tiago e João. O ouvinte há de concordar que estes três faziam parte do círculo íntimo de Jesus, e aparecem com ele em ocasiões específicas como em sua transfiguração (Mt. 17.1); na oração particular do Getsêmane (Mc.14.33); na ressurreição da filha de Jairo (Lc. 8.51) e em outras oportunidades. Na verdade,  não é correto dizer que Jesus os teve como prediletos, mas que eles desenvolveram condições de serem tratados com certo teor de diferenciação. A prova de que não era uma ação ardilosa é que os irmãos primitivos os tinham como colunas da Igreja ( cf. Gl.2.9). Isso mostra que eles faziam jus as aparentes prioridades.
Se a relação de Jesus com Pedro, Tiago e João ressoa como prediletismo, há algo ainda mais restrito a se observar. Dos três discípulos íntimos havia um que possuía uma relação mais estreita com o Mestre: Este era capaz de está tão perto que reclinava a cabeça no peito de Jesus. Por manter uma intimidade tão forte com o seu Senhor, a Bíblia o chama de “"o discípulo a quem Jesus amava" (Jo. 13.23; 20.2; 21.7,20). Isso se devia a sua intimidade com o Senhor e não por ser ele o preferido dentre os demais.
Conclui-se dessa observação que se há níveis de intimidade diferentes, também há respostas divinas específicas.
Como o tempo e o espaço nos são escassos, queremos ser sucinto na segunda observação: a predileção de Deus pelo povo de israel. Já vimos que Deus parece ter amado esta Nação acima dos outros povos. Na verdade há uma implicação espiritual, a saber, o projeto salvífico, culminando com o Messias. Deus teria que escolher pessoas e o fez, escolhendo Abraão e dele levantou uma Nação, que seria um povo sacerdotal como está escrito em I Rs. 8.53: "...Pois tu para tua herança os elegeste de todos os povos da terra..."”
Israel foi escolhido como povo especial para cumprir uma missão especial. Porém, a luz do Novo Testamento, uma pessoa não seria tratada com especialidade diante da responsabilidade da salvação apenas POR ser descentemente da Nação Santa. O apóstolo Paulo afirma que tanto para as benesses da redenção como para o castigo as medidas são equânimes (justas) tanto para judeus como para gentios (cf. Rm. 1.16; 2.9)
Assim sendo, concluímos: Deus não tem filhos prediletos, ele tem um tratamento diferenciado, muitas vezes, como uma retribuição justa a intensidade da comunhão que o homem desenvolve com ele ou quando quer efetivar um propósito específico através de determinada pessoa. Isso está longe de ser chamado prediletismo.

2. O AMOR E A JUSTIÇA DE DEUS - COMO HARMONIZÁ-LOS?

Decerto, conciliar os atributos opostos de Deus não é tarefa fácil, mas um olhar cuidadoso nos fará entender como eles se manifestam equilibradamente. Uma das maneiras de facilitar o entendimento da união entre a sua justiça e seu amor é  fortalecendo o argumento de que o amor de Deus é justo e  sua justiça é amorosa. Isso é quase impossível no tocante ao homem, mas quando se refere a Deus, no tratamento com o seu povo, é assim que acontece.
A manifestação mais bela e nobre da união da justiça e do amor de Deus foi revelada na cruz. Ao pecar, o homem tinha a morte como consequência, impetrada pela justiça divina, portanto, Pelo amor,  Deus o enxergava com carências de ajuda. Isso é claramente manifesto em Is. 59.1,2 que diz: "Eis que a mão do SENHOR não está encolhida, para que não possa salvar; nem agravado o seu ouvido, para não poder ouvir. Mas as vossas iniquidades fazem separação entre vós e o vosso Deus; e os vossos pecados encobrem o seu rosto de vós, para que não vos ouça".
Então, como dois atributos opostos se unificariam e seriam levados a efeito cabalmente? A Cruz de Cristo foi, sem dúvida, o instrumento desta conciliação: Fragmento da poesia do hino 18 de nossa Harpa Cristã diz: Luz divina resplandece! Mostra ao triste pecador, que na cruz estão unidos a justiça e o amor...” Jesus, conforme Paulo afirma em Rm. 1.17, é a essência da justiça de Deus e ao mesmo tempo, é também, a expressão máxima do seu amor.
Mas vamos analisar a equalização da justiça e do amor de Deus na vida do crente. Na verdade o tratamento de Deus para com seus filhos é um tratamento de amor. Só que existem ações desse amor que são condicionadas a nossa atitude para com ele. Quando fugimos à regra que ele estabelece, somo passivos a sua repreensão ou castigo, e aí como já fomos justificados em Cristo, o que chamamos de aplicação da justiça de Deus, na verdade é o lado justo do seu amor. Salomão confirma isso quando diz: "Porque o SENHOR repreende aquele a quem ama, assim como o pai ao filho a quem quer bem"”( Pv. 3.12).
Note bem que a repreensão aparece aí como fruto do amor de Deus. O Escritor aos Hebreus, dentro desta ótica fala da disciplina como instrumento que Deus se utiliza para corrigir seus filhos (Hb. 12.8). No v.9 ele indaga: "... que filho há a quem o pai não corrija?" Assim sendo, por ser justo, Deus não omite o seu castigo, quando merecemos. Aliás, ao proceder assim Ele está nos mostrando seu amor e o faz com o objetivo de não nos deixar perecer com o mundo (1 Co. 11.32). Elifaz, apesar de falar algumas coisas infundadas, acerta quando diz: "... bem-aventurado é o homem a quem Deus repreende; não desprezes, pois, a correção do Todo-Poderoso."  (Jo 5.17)”
Logo, a justiça e o amor de Deus se misturam neste processo. E não há nada, extraordinariamente difícil, para se entender isso. No entanto, no tratamento para com os pecadores, a compreensão destes atributos  assume outro significado.
É fácil de entender pela Bíblia que  nós fomos alcançados pelo amor de Deus e vivemos debaixo deste amor, logo o castigo de Deus é fruto de seu amor justo e gracioso. Já o pecador é amado no aspecto coletivo, ou seja, é fruto do amor altruísta de Deus que como resultado deste amor, deu seu Filho para salvar a humanidade. (Jo 3.16; Rm. 5.8). Na verdade, individualmente, Deus aborrece aqueles que aceitam viver no pecado. E, quando tem que aplicar sua justiça, é com base na sua ira. Por isso o salmista afirma: "Os loucos não pararão à tua vista; odeias a todos os que praticam a maldade."  (Sl.5.5).  A Justiça de Deus, portanto, neste aspecto, é a retribuição justa e severa como punição ao pecado do homem. Ao contrário do crente, em que a justiça de Deus é aplicada para correção, para o pecador insolente a justiça divina promove juízo destruidor.  Por isso o escritor da carta anônima diz: "Horrenda coisa é cair nas mãos do Deus vivo."(Hb. 10.31).
O Amor de Deus pelo pecador é centrado em Cristo. A justiça de Deus também é cristocêntrica. Se o pecador rejeitar a Jesus, está rejeitando o produto do amor de Deus, restando para ele uma justa retribuição de juízo. Por isso a missão do Espírito Santo é convencer o homem do pecado (mostrar sua condição diante de Deus); da justiça (mostrar que a solução para seu estado debilitado está unicamente em Jesus) e do juízo (mostrar que se a justiça de Deus revelada na pessoa de Jesus for ignorada, restará apenas o castigo eterno).
Finalizando, afirmamos que o amor e a Justiça de Deus tem também um aspecto escatológico. Seu amor (em versão diferenciada) ofertará até ao final, o escape para homem; e, sua Justiça garantirá a vida eterna a quem respondeu positivamente a seu amor e graça e a perdição, a todos aqueles, que optaram em seguir seus intentos perversos, em detrimento daquilo que  que ele planejou para o homem.
E válido concluir dizendo que a imposição da Justiça e do Amor de Deus, na experiência humana, depende de como o indivíduo se posiciona diante daquilo que Deus propõe para ele. Os dois atributos, mesmo sendo opostos, se convergem: o amor  se aplica com justiçae a justiça se manifesta com acom amor , no relacionamento  com o salvo; para  o pecador, portanto,  seu amor é altruísta e sua justiça é a manifestação de sua ira efetuando juízo ao pecado.

3. POR QUE DEUS SENDO TÃO BOM, PERMITE TANTAS MISÉRIAS E CALAMIDADES NO MUNDO?

Deixando de lado os fatos calamitosos que marcaram a História deixando um saldo de milhões de pessoas mortas, doentes e desabrigadas e focando apenas aqueles relacionados ao terceiro milênio, vemos quão grande sofrimento à humanidade vem enfrentando. Desde os inocentes que morreram no maior ataque terrorista da história, nos EUA, em 2001, como o tsunami na Indonésia, em dezembro de 2004, o terremoto da china em 2008 e o Grande Terremoto do Leste do Japão, em 2011 que juntos deixaram mais de 300.000 mortos, instigam os homens a questionarem a natureza de Deus. Como pode um Deus sendo bondoso permitir tamanhas calamidades? Por que Ele não age para evitar tantos males? Se Ele pode, por que não o faz? E, se Ele não faz como é possível entender que Ele é um Deus bondoso? Perguntas como estas os céticos fazem, pondo dúvida no caráter de Deus.
Quero convidar os caros leitores a analisarem comigo as calamidades do mundo sob quatro vertentes. Primeiro vamos começar observando as leis naturais e cosmológicas estabelecidas pelo Criador. Deus ao criar o Universo estabeleceu princípios pelos quais o Cosmo é regido. Os capítulos 1 e 2 de Gêneses  e algumas passagens do livro de Jó dos proféticos apontam algumas destas leis, leis estas que fazem com que o universo tenha mobilidade e harmonia, porém, a imprudência humana desde a Queda, vem castigando o Cosmo, agredindo a Natureza, causando um desequilíbrio ambiental generalizado.
Desde meados do século XIX, a temperatura dos oceanos e do ar perto da superfície da Terra, o chamado Aquecimento Global, tem ganhado proporções exorbitante. E como todos sabem, muitas calamidades climáticas em proporções assustadoras, como enchentes, maremotos, terremotos e outras desordem da natureza, devem-se a agressão que o homem tem causado ao meio ambiente. Logo, a culpa não é de Deus, mas do próprio homem. Através da exploração irresponsável dos bens naturais, o homem tem sido o causador de muitas calamidades. Deus estabeleceu leis boas e justas para manter o universo em harmonia, o homem as alterou, e assim seus semelhantes colhem os resultados, infelizmente.
Em segundo lugar, é razoável estudar sobre as calamidades e o caráter de Deus, sob a visão de sua soberania.  Ele é soberano sobre sua Criação. Se ele proteger ou destruir, ninguém pode acusá-lo de injusto. O Patriarca Jó afirma que ninguém deve perguntá-lo; Que fazes? (9.12). Ora, se Algo é nosso, fazemos disso o que quisermos; Deus também. Ele é soberano quando  faz e quando deixa de fazer determinada coisa. O salmista diz que “"...tudo que o Senhor quis, ele fez..." (Sl 135.6). Note bem que ele pode fazer - Ele é Todo Poderoso; mas Ele só faz quando quer e isso não diminui em nada Sua natureza soberana.
Quando Nabucodonosor chamou os três judeus, oferecendo-os a chance de se livrarem da fornalha de fogo ardente, eles disseram: Não necessitamos de te responder sobre este negócio. Eis que o nosso Deus, a quem nós servimos, é que nos pode livrar; ele nos livrará da fornalha de fogo ardente, e da tua mão, ó rei. E, se não, fica sabendo ó rei, que não serviremos a teus deuses nem adoraremos a estátua de ouro que levantaste. (Dn 3:16-18)
Logo, a existência das calamidades não anulam a Bondade, o Poder nem o Querer de Deus, antes, confirmam seus atributos soberanos.
Em terceiro lugar, é importante dizer, que algumas calamidades no mundo são instrumentos do castigo divino a rebeldia do homem. Desde os primórdios da raça humana a presença do castigo de Deus de forma coletiva é uma constante. O Exemplo mais clássico desta verdade é o dilúvio, a maldade do homem acionou a ira de Deus ao ponto da Terra sofrer uma enchente desproporcional, como a tal.  A Bíblia mostra que Por causa da idolatria e de outros pecados Deus permitiu secas causticantes; enfermidades, escassez de alimento; Tempestades; destruição social e comunitária etc. Basta ler lamentações de Jeremias para ver como a calamidade se constrói como castigo àqueles que viram às costas para Deus. Na Verdade, Deus não deixa de ser bom, mas os homens sendo maus atraem a justiça divina. Hoje não é diferente, não podemos generalizar e dizer que todas as vezes que há uma calamidade é castigo divino, mas também, não podemos negar este principio da equidade de Deus. É interessante dizer que as calamidades, neste caso são consequenciais.
Finalmente, as calamidades, também, devem ser analisadas como fenômenos escatológicos: Tanto aquelas de ordem sociais como as climáticas aparecem no sermão profético como prenúncios da vinda de Jesus. Logo devem acontecer.
Um texto bíblico que nos convence que muitas catástrofes naturais se encaixam nesta observação se encontra em LC 21.25,26 que diz E haverá sinais no sol e na lua e nas estrelas; e na terra angústia das nações, em perplexidade pelo bramido do mar e das ondas. Homens desmaiando de terror, na expectação das coisas que sobrevirão ao mundo... (Lucas 21:25-26)  Coloque essa profecia, diante da realidade do Tsunamis da Ilha Sumatra, no final do ano de 2004 e do desastre do Grande Terremoto do Japão de 2011 e veja se faz sentido ou não.
Então concluiremos afirmando que, conforme as as observações postuladas, as calamidades que a humanidade enfrenta não contrariam a natureza de Deus. Ele é Bom e Poderoso idependente de tudo de nal que vem ocorrendo no mundo.


4. OS LIMITES DA TOLERÂNCIA DE UM DEUS ILIMITADO

Antes de comentar qualquer coisa, é bom que se afirme que tudo que alguém consiga dizer de Deus, é pouco demais diante da inesgotável fonte que é sua natureza. Ninguém consegue perscrutar a Pessoa de Deus na sua plenitude, e sim, lançar mãos das verdades que por sua graça e Ele nos revelou em Sua palavra. E, com muita humildade e rendição ao Espírito Santo, para não incorrer em erros de interpretação do que nos foi disponibilizado pelo Documento divino.
Para compreendermos como um Deus ilimitado limita seus atributos, como paciência e tolerância, nós iremos analisar quatro verdades fundamentais referentes a esse assunto.
A primeira verdade é: Deus é grandemente paciente e misericordioso. Essa verdade nos leva a entender que todos os atributos de Deus e todas as atividades de sua natureza e de seu caráter são, em sim mesmas, inesgotáveis e infinitas. Em Lm 3.22, Jeremias afirma que as misericórdias do Senhor não têm fim; Paulo diz que Deus é riquíssimo em misericórdia (Ef. 2.4); Moisés, por sua vez anuncia que Ele é tardio em irar-se e grande em beneficência. (Êx. 34.6). No Sl. 86.5, o salmista Davi corrobora essas afirmações, quando canta: “"Pois tu, Senhor, és bom, e pronto a perdoar, e abundante em benignidade ...".
Bem, o que se conclui das afirmações em apreço é que tudo em Deus é ilimitado. Ninguém esgota seus atributos, porque como sua própria natureza é imensurável, assim também é tudo que diz respeito a ela. Neste caso, seria correto dizer que o homem pode fazer o quiser, porque Deus continuará complacente para com ele? Se o homem não esgotar a paciência de Deus, por que ele se ira?
Vamos compreender, lançando mãos da segunda verdade : Deus possui o mais alto padrão de Justiça. Ora, que Deus é misericordioso não temos dúvida, mas sua compaixão não pode fazer vista grossa ao erro do homem, porque ele é justo. Em Números 14.1 está escrito: “"O SENHOR é longânimo, e grande em misericórdia, que perdoa a iniquidade e a transgressão, que o culpado não tem por inocente, e visita a iniquidade dos pais sobre os filhos até à terceira e quarta geração."” Note bem, que a longanimidade e a misericórdia de Deus não anulam sua justiça. Ele não pode aceitar o culpado por inocente, embora o ofereça o perdão; por isso Davi diz complemente no salmo 85.6 que ele é misericordioso para os que o invocam. Bem, então vamos entender: Deus é imensuravelmente misericordioso e paciente, mas por ser justo, não pode ignorar o erro humano. Então como entender Isso?
Prestemos atenção na terceira verdade: O Deus tolerante estabelece um limite para o comportamento humano. Ora, se Deus é infinito e sua misericórdia e paciência, bases de sua tolerância, são imensuráveis, então o homem ilimitado não pode esgotá-los. Fato. Porém, o Deus que não pode ser limitado pelo homem, estabelece um limite para o comportamento humano. Até que o homem não ultrapasse esse limite, ele será alvo das misericórdias do Senhor, portanto, quando rompe essa trégua, manifesta-se, então, a ira de Deus em lugar de sua misericórdia. Note que o homem não esgota a paciência de Deus, mas ultrapassa a linha tênue que divide sua compaixão e sua ira, visto que os atributos divinos, mesmo diferentes se harmonizam.  O mesmo ocorre se homem recuar, ou seja, se deixar de insistir no erro, terá a misericórdia ao invés da ira como aconteceu com Acabe, Manassés e muitos outros personagens bíblicos.
Então, só assim entenderemos a quarta verdade que arremata esse assunto: A tolerância de Deus tem limite. Escrevendo aos romanos sobre a tolerância de Deus, Paulo diz no capítulo 2 e versículo 4: “"... desprezas tu as riquezas da sua benignidade, e paciência e longanimidade, ignorando que a benignidade de Deus te leva ao arrependimento?"  Paulo enfatiza que Deus, mesmo paciente, não tolera que o homem trate sua bondade com desprezo. E, se esse assim o faz, Paulo assegura no versículo 5: “"Mas, segundo a tua dureza e teu coração impenitente, entesouras ira para ti no dia da ira e da manifestação do juízo de Deus."
O que está claro pela Palavra de Deus é que Ele é, em essência misericordioso e paciente; Se o homem errar, ele aplica Sua Justiça. O interessante é que a primeira ação da justiça de Deus é oferecer ao homem oportunidade de arrependimento. Isso está claro no tempo do dilúvio. Os homens mesmo tendo causado repulsa à natureza santa do Senhor, tiveram a oportunidade de se voltar para Ele. Porém, insistiram em seus pecados, e, Pedro diz deles: “Os quais noutro tempo foram rebeldes, quando a longanimidade de Deus esperava nos dias de Noé, enquanto se preparava a arca; na qual poucas (isto é, oito) almas se salvaram pela água. ”(I Pe. 3.20)  Eles ignoraram a compaixão de Deus; abandonaram o recurso de sua misericórdia, o escape do castigo que era certo. Então, tendo rompido insanamente o limite que Deus estabelecera,  Sua tolerância  chegou ao limite, e os homens atraíram, assim, a ira divina que culminou com a destruição.
Que Deus continue nos abençoando, e que os amados leitores postulem seu viver de forma que as misericórdias do Senhor não sejam ignoradas, pois são elas as causas de não sermos consumidos.

5. OS CONFLITOS EM TORNO DO ARREPENDIMENTO DE DEUS

Bem, a princípio gostaríamos de enfocar que a Bíblia é um livro de Deus, escrita por homens para homens. Muitas coisas relacionadas ao Deus imensurável, não seriam alcançáveis se a Bíblia não trouxesse para a dimensão humana a revelação  de Sua natureza. Por isso os escritores foram inspirados a usar uma linguagem onde Deus pudesse ser compreendido, daí, muitas vezes Ele é apresentado com sentimentos humanos, numa figura de linguagem chamada antropopatismo, muito embora, em essência, esses sentimentos diferem cabalmente da conduta humana, um destes sentimentos é o arrependimento.
É interessante dizer também que não há nenhuma contradição nos textos que tratam do arrependimento de Deus, basta colocá-los no ponto de equilíbrio: Alguns versículos tratam da essência imutável da natureza de Deus, ou seja, de sua linha de conduta moral e pessoal numa posição de imutabilidade perfeita tanto de seu Ser bem como de seus propósitos,  promessas, princípios e atributos, sem carecer aprimoramento e sem riscos de decadência. Outros textos, apontam o arrependimento de Deus como um pesar e uma atitude diferente, não por ele ter mudado, mas pela mudança do comportamento humano.
Vamos analisar primeiro sobre a imutabilidade da natureza divina: Em Ml 3.6, as afirmação de Deus é uma assertiva: "Eu, o Senhor, não mudo". Esta autodeclaração é confirmada explicitamente em outros dois textos: Em Nm. 23.19 está dito: Deus não é homem para que minta, nem filho do homem para que se arrependa, e, em I Sm.15.29 que reitera “"...Aquele que é a Força de Israel não mente nem se arrepende; porquanto não é um homem para que se arrependa...".
Observemos que a ênfase nestes dois últimos versículos recai sobre a negação do arrepender-se de Deus. De fato, ele não se arrepende no que a gente entende por arrependimento. Pra nós humanos arrependimento está ligado a nossa índole volúvel. Ou seja, nos arrependemos quando queremos e deixamos de querer; quando somos algo e depois deixamos de ser; quando pensamos  algo e deixamos de pensar; quando fazemos alguma coisa e desistimos de fazer etc. Isso acontece porque a natureza humana é mutável. Deus não tem uma natureza instável. Ele não se arrepende, neste aspecto. Por isso a Bíblia afirma que ele não é o homem.
Agora vamos entender a que se refere o arrependimento de Deus. Lembremos que às vezes a bíblia fala de Deus como homem, para que nós homens possamos o compreender.
A palavra “arrepender-se” no hb. nãhar, refere-se a uma mudança de mente, ou seja um pesar ou sentimento interior de profunda tristeza. A maioria do uso desta palavra é atribuída ao arrependimento de Deus. Ex.
         Gn. 6.7: “E disse o SENHOR: Destruirei o homem que criei de sobre a face da terra, desde o homem até ao animal, até ao réptil, e até à ave dos céus; porque me arrependo de havê-los feito.”

         1 Sm. 15:11 Arrependo-me de haver posto a Saul como rei; porquanto deixou de me seguir, e não cumpriu as minhas palavras. Então Samuel se contristou, e toda a noite clamou ao SENHOR.

Nestes dois textos, o arrependimento de Deus se refere a um pesar ou sentimento de decepção que o Senhor teve, pelo investimento feito e não correspondido. A Bíblia diz que Deus  ao criar o casal o abençoou e viu que era muito bom (Gn. 1,28,31), porém, ao passar dos anos, os homens não fizeram jus a atitude graciosa do Criador. Isso entristeceu a Deus. Logo, o arrepender-se de Deus, era seu descontentamento espantoso em ver a que ponto sua criatura havia chegado. O mesmo pode se dizer de Saul: Deus o elegeu como rei de Israel, mas ele o desagradara, fazendo-o sentir-se pesaroso por sua postura pecaminosa.
É importante afirmar que o arrependimento de Deus também se refere a uma mudança de atitude, não porque Ele muda, mas por causa da mudança do homem. Veja atenciosamente o texto que se segue de Jeremias 18.7-10:

No momento em que falar contra uma nação, e contra um reino para arrancar, e para derrubar, e para destruir,
Se a tal nação, porém, contra a qual falar se converter da sua maldade, também eu me arrependerei do mal que pensava fazer-lhe.
No momento em que falar de uma nação e de um reino, para edificar e para plantar,
Se fizer o mal diante dos meus olhos, não dando ouvidos à minha voz, então me arrependerei do bem que tinha falado que lhe faria.

Perceba que tanto o mal como o bem que Deus intentara fazer seria mudado, de acordo a mudança do comportamento humano. Esta mudança de uma atitude abençoadora para uma atitude de juízo ou vice-versa, é chamada de nãhar,  que João Ferreira de Almeida a traduziu por  arrependimento. Foi esse sentimento que fez com que Deus desistisse de destruir os ninivitas, porque eles mudaram ao se converter pela mensagem de Jonas, então Deus se arrependeu do mal que disse que faria, ou seja, suspendeu a sentença, porque houve uma atitude de mudança por parte dos homens. (Jn. 3.10) A mesma ideia se encontra em,  1 Cr. 21.15; Am. 7.3,6 e outros mais, onde se entende que Deus se arrependeu, ou seja, agiu conforme a mudança de comportamento dos homens, pois ele seria injusto se não o agisse assim.
Concluindo dizemos Deus não se arrepende, no que concerne a mudança de sua natureza, pois ela é absolutamente perfeita, sem nenhuma chance de mudar; seu arrependimento, fala de seu descontentamento diante de alguém que não agiu com fidelidade a seu investimento ou ainda se refere a uma mudança de atitude, seja de julgamento para bênção ou de bênção para julgamento, em resposta a mudança do comportamento humano. Logo, não há contradição nenhuma nos textos da bíblia.

6. O MAL PROVENIENTE DE DEUS

O Texto de Isaias 45.7, que afirma que Deus cria o mal é um dos mais polêmicos concernentes ao caráter de Deus. Todos nós desde a mais tenra idade somos ensinados que Deus é bom, que faz o bem e que nele não há maldade alguma, sendo o Diabo autor e a essência do mal. De Repente, somos surpreendidos por afirmativa chocante: O próprio Deus diz: “Eu crio o mal”. Como, pois, entender essa afirmação sem ultrajar a natureza divina?
Antes de qualquer coisa é interessante certificarmos de que Deus é moralmente benigno. Não há nenhum vestígios do mal moral em Sua pessoa. A Bíblia diz que sua benignidade dura para sempre (Sl 118.1,27). Davi em um de seus cânticos afirma: “Porque tu não és um Deus que tenha prazer na iniqüidade, nem contigo habitará o mal.” E Tiago assegura que “toda a boa dádiva e todo o dom perfeito vem do alto, descendo do Pai das luzes, em quem não há mudança nem sombra de variação.” Logo, Deus não é responsável pela existência do mal no mundo; Não compactua com o pecado porque ele é bom e puro. Então como entender a afirmação de que ele cria o mal?
Em primeiro lugar, em Isaias 45, Deus está revelando seu total domínio sobre o Universo, contrariando o paganismo da Pérsia, que acreditava que o universo era regido por dois deuses, que viviam numa luta constante, a saber: Ahuda Mazda, o deus da luz e do bem e Arimã, o deus das trevas e do mal. Deus mostra que luz e trevas, bem e mal estão sob seu controle e que tudo obedece a sua soberania.
Em segundo lugar, quando Deus diz que cria o mal, é confirmado em outras passagens, que se trata do mal como uma punição ao pecado  - o mal consequencial. No capítulo 9 e versículo 4 de seu livro, o profeta Amós registra as palavras de juízo de Deus, aos judeus rebeldes, quando afirma; “E, se forem em cativeiro diante de seus inimigos, ali darei ordem à espada que os mate; e eu porei os meus olhos sobre eles para o mal, e não para o bem.” Perceba que o mal, neste particular, é trazido por Deus como castigo. O mesmo é dito em Am. 3.6 “Tocar-se-á a trombeta na cidade, e o povo não estremecerá? Sucederá algum mal na cidade, sem que o SENHOR o tenha feito?” 
Ora como podemos traduzir Deus cerrando os céus para não cair a chuva? E as pestilências? E nações que eram levantadas para destruírem outras? E as calamidades trazidas por Deus registradas em lamentações? O que seria isso senão o mal criado por Ele? Sim, este é o mal calamitoso ou catastrófico, produto de sua grandeza para deter a impertinência dos homens. Em Jr. 18.11 Deus diz: “Ora, pois, fala agora aos homens de Judá, e aos moradores de Jerusalém, dizendo: Assim diz o SENHOR: Eis que estou forjando mal contra vós; e projeto um plano contra vós; convertei-vos, pois, agora cada um do seu mau caminho, e melhorai os vossos caminhos e as vossas ações.”.
É bom que se diga que o mal que Deus intenta pode ser anulado, caso o homem busque o bem e se converta dos seus pecados. É isso que Deus diz por meio de Amós 5.14 “Buscai o bem, e não o mal, para que vivais; e assim o SENHOR, o Deus dos Exércitos, estará convosco, como dizeis.”). Em Jr.26.16, essa ideia é reforçada, quando o profeta exclama: “Agora, pois, melhorai os vossos caminhos e as vossas ações, e ouvi a voz do SENHOR vosso Deus, e arrepender-se-á o SENHOR do mal que falou contra vós.”
Esse mal é a retribuição pelo pecado. É a punição do caráter santo de um Deus que reage com justiça os feitos dos homens:
Há muitos outros textos na bíblia que corroboram que Deus é autor do mau como punição. Vejamos alguns:
         Assim diz o SENHOR dos Exércitos, Deus de Israel: Vós vistes todo o mal que fiz vir sobre Jerusalém, e sobre todas as cidades de Judá; e eis que elas são hoje uma desolação, e ninguém habita nelas  (Jr.44.2)
         Tomou o capitão da guarda a Jeremias, e disse-lhe: O SENHOR teu Deus pronunciou este mal, contra este lugar. (Jr. 40.2)
         E Deus mandou um anjo a Jerusalém para a destruir; e, destruindo-a ele, o SENHOR olhou, e se arrependeu daquele mal... (I Cr. 21.15)
         Portanto assim diz o SENHOR dos Exércitos, Deus de Israel: Eis que eu ponho o meu rosto contra vós para mal, e para desarraigar a todo o Judá. (Jr. 44.11)
         Por isso assim diz o SENHOR Deus dos Exércitos, o Deus de Israel: Eis que trarei sobre Judá, e sobre todos os moradores de Jerusalém, todo o mal que falei contra eles; pois lhes tenho falado, e não ouviram; e clamei a eles, e não responderam. (Jr. 35:17)
         E dirão: Porque deixaram ao SENHOR Deus de seus pais, que os tirou da terra do Egito, e se deram a outros deuses, e se prostraram a eles, e os serviram; por isso ele trouxe sobre eles todo este mal. (2 Cr. 7.22)
         E Deus viu as obras deles, como se converteram do seu mau caminho; e Deus se arrependeu do mal que tinha anunciado lhes faria, e não o fez. (Jn. 2.3)
         Porque a moradora de Marote sofre pelo bem; porque desceu do SENHOR o mal até à porta de Jerusalém.( Mq.1:1)
         Porventura da boca do Altíssimo não sai tanto o mal como o bem? (Lm. 3:38)
Bem todos estes textos se referem ao mal que Deus determina. E, mesmo sendo criado por ele, esta decisão de sua soberania não fere sua natureza bondosa e sua benignidade, pois ele é essencialmente bondoso, promotor do bem e aborrecedor de todo o mal, inclusive do autor do mal moral – seu arqui-inimigo.
Finalizando afirmamos que Deus cria o mal, não porque possui uma essência má; não porque coabitam nele o bem e o mal; não porque ele criou um querubim mal, como alguém tem inventado, mas, simplesmente ele cria o mal, quando determina o que não é bom, como ação de sua severidade em resposta ao comportamento rebelde do homem.


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